E sentado assisti à
barbárie da torcida do River Plate apedrejando o ônibus do Boca
Júniors quando chegava ao estádio Monumental de Nuñes, no último
dia 24/11, data em que deveria ter acontecido o segundo jogo da super
final. Em La Bombonera, estádio do Boca, no jogo de ida (11/11), um
duelo e tanto terminado em 2 a 2 me deixou com água na boca (sem
trocadilho) para o segundo jogo. E chegando o dia, o jogo é adiado
por motivo de brutalidade maior; jogadores do Boca não estavam em
condições de ir a campo depois de alguns se machucarem com
estilhaços de vidro e de supostamente outros terem problemas
respiratórios por conta de algum gás de pimenta que teria atingido
o ônibus quando a polícia tentou conter os vândalos. No dia
seguinte, o Boca declarou não ter condições de jogo, o que fez a
Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol) adiar o duelo para
o dia 9/12. Mas não seria mais na Argentina – país dos dois times
–, e sim em Madrid, na Espanha, no estádio Santiago Bernabéu.
Nessas horas, a parte da história da humanidade reproduzida no
universo do futebol parece uma usuária de crack que recém perdeu os
dentes da frente – tão bonita quanto o cascão das feridas que eu
ganhava jogando golzinho fechado no asfalto.
Por que o torneio se
chama “Libertadores da Amércia”? Ele surgiu em 1960, e o nome é
uma homenagem à independência dos países da América do Sul em
relação às metrópoles da Península Ibérica, Portugal e Espanha,
ali no século XIX. Os líderes desses movimentos - José Artigas,
Simón Bolívar, José de San Martín, José Bonifácio de Andrada e
Silva, D. Pedro I, Antonio José de Sucre e Bernardo O'Higgins –
são os ilustres homenageados; os “libertadores da América”.
Como diria o narrador do Fox Sports, João Guilherme, PARA TUDO! A
competição é um símbolo da independência
dos países sulamericanos,
as colônias, e a final da
competição que homenageia isso
foi transferida para a Espanha,
um dos colonizadores
(!!!!!!?????).
Tá tudo certo, se nós
não damos valor à nossa própria história (até
eu peguei o nome dos
'libertadores' no Wikipédia, confesso com
toda a falta de vergonha que possuo na cara),
por que
cargas d'água o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez,
iria valorizar?
É tradicional nosso! A
aula de história na escola é aquela matéria chata repleta de datas
– como as das independências das colônias na América Latina
– e de nomes de pessoas
pretensamente “importantes” - como dos libertadores do continente
– cuja única utilidade é encher a paciência da
nossa vida vazia de qualquer intelectualidade.
A gente matava essas aulas
para, ironicamente, jogar bola.
A
valorização da História e
o futebol são coisas de
europeu desenvolvido. Aqui
a gente toma de 7 a 1 e depois é derrotado em pleno Maracanã. No
mundial de Clubes da Fifa, a última vez que um time sulamericano foi
campeão foi em 2012, o Corinthians. Na Copa do Mundo, a última vez
foi em 2002, com um tal de Brasil. Todo o restante dos anos,
assistimos a um monólogo dos europeus nas disputas internacionais.
Em bom baianês, tomamos a taca dentro e fora de campo também. Não
sabemos fazer o espetáculo acontecer. Aqui não é o lugar que desde
a colonização no século XVI [não
quis usar a palavra 'meados' porque não sei direito o que significa
desde que a ouvi na escola e
me recuso a tirar onda de esclarecido falando bonito]
era terra de ninguém sem lei? Pois é! A Libertadores 2018 é um
belo desdobramento dessa nossa amada e idolatrada característica.
Vamos recaptular os episódios desta saga épica, como diz o Fox
Sports na chamada para a final em Madrid.
Este
ano, o Santos foi punido pela Conmebol porque nas quartas de final da
“Libertadores” por ter usado um jogador irregular contra o
Independiente da Argentina, no jogo de ida das oitavas de final,
realizado em Avellaneda. O confronto foi 0 a 0, mas, para castigar
exemplarmente o clube brasileiro, o resultado foi transformado em um
3 a 0 para o time argentino, o que decretaria no jogo da volta a
eliminação do Santos. Mas o River Plate, esse mesmo que está na
final, cometeu o mesmo delito em vários jogos da competição e
simplesmente não sofreu qualquer punição. A Conmebol alega que os
times prejudicados teriam que ter prestado queixa à entidade em um
prazo de 24 horas após as partidas. Ou seja, ao River foi dado o
direito de usar jogador irregularmente, se beneficiar na disputa
futebolística da presença do jogador e Domínguez
arrumou uma desculpinha
pra não punir o River.
Então
beleza! Nas semifinais, o técnico do River, Marcelo Gallardo foi
punido pelo comitê disciplinar que rege o regulamento das
competições continentais, e não poderia ter qualquer contato com
os jogadores na partida de volta contra o Grêmio em Porto Alegre.
Pois o técnico passou a partida toda se comunicando com o assistente
via rádio e ainda foi ao vestiário, na frente de todo mundo, no
intervalo do jogo orientar os jogadores. O que a Conmebol fez a
respeito? Em vez de eliminar o River, apenas deu uns joguinhos de
suspensão e uma multinha para Gallardo de U$ 1,5 mil (algo que
talvez equivalha ao troco do pão no seu salário de um mês). Agora
na final, a torcida do River vandaliza e machuca os jogadores do Boca
na chegada da decisão. O River deveria ser punido com a perda do
título e suspensão das competições das competições continentais
por um período. A Conmebol fez isso? Não! Aplicou outra multinha
para o River e decretou que na próxima competição continental vai
jogar em casa com portões fechados umas duas ou três partidinhas.
Se, no final disso tudo o River for
campeão, qual a lição
que ficou? Compensou trapacear usando jogador irregular em várias
partidas, compensou não obedecer à punição do técnico e ir se
benficiar de sua presença proibida contra o Grêmio e valeu a pena
(demais!) vandalizar o ônibus do Boca – desestabilizou
os jogadores do rival e com isso abriu caminho para o título.
Evoluímos o quê desde a terra sem lei da época das capitanias
hereditárias até hoje? Nada! Continuamos aquele pedaço de planeta
Terra onde é cada um por si e deus por ninguém.
Por
isso, a final tem que ser nas Ôropa mesmo! Caímos de joelhos para
os europeus dentro de campo e agora fora também. Demos o atestado de
nossa incompetência total como futebolistas diante do verdadeiro (e
único) gigante desse
nosso amado esporte. Mas
vai ter jogo domingo. E essa vai mesmo ser uma final beeeeem
histórica, com 'h' e todos os conceitos envolvidos sob a mais
vexatória característica de minúsculo que se possa imaginar. Eu
quero assistir à final da
Libertadores, mas vou ter que esperar sentado mais um ano. Essa de
domingo agora é a única e (espero que) última decisão de outra
competição. A
Taça “Colonizadores” da América.
Paolo Gutiérrez é (tirado a) jornalista e amante do futebol.
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