sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

UMA FINAL hISTÓRICA(zinha)

Adoro esportes e, em especial, o futebol, que foi meu primeiro sonho profissional na vida. É verdade, tem o Jiu Jitsu, do qual ainda voltarei a ser praticante algum dia. Mas é o futebol que me fazia os olhos de menino brilharem, amiúde aguados - seja pelo prazer de um gol de calcanhar com a escolinha do Bahia na antiga Fonte Nova, seja por alguma canelada que me devolveram com juros e correção monetária em qualquer baba por ai. Gosto do futebol porque ele é sempre recheado de ares apoteóticos. Passo o ano inteiro esperando pelas grandes decisões nas quais presenciarei (com direito a replay por todos os ângulos) uma parte bonita da história da humanidade. E uma dessas graaaandes decisões que espero anualmente para assistir, não importa quem chegue à final, é a da Copa Libertadores da América. Como sabemos, em 2018 tive que esperar sentado.

E sentado assisti à barbárie da torcida do River Plate apedrejando o ônibus do Boca Júniors quando chegava ao estádio Monumental de Nuñes, no último dia 24/11, data em que deveria ter acontecido o segundo jogo da super final. Em La Bombonera, estádio do Boca, no jogo de ida (11/11), um duelo e tanto terminado em 2 a 2 me deixou com água na boca (sem trocadilho) para o segundo jogo. E chegando o dia, o jogo é adiado por motivo de brutalidade maior; jogadores do Boca não estavam em condições de ir a campo depois de alguns se machucarem com estilhaços de vidro e de supostamente outros terem problemas respiratórios por conta de algum gás de pimenta que teria atingido o ônibus quando a polícia tentou conter os vândalos. No dia seguinte, o Boca declarou não ter condições de jogo, o que fez a Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol) adiar o duelo para o dia 9/12. Mas não seria mais na Argentina – país dos dois times –, e sim em Madrid, na Espanha, no estádio Santiago Bernabéu. Nessas horas, a parte da história da humanidade reproduzida no universo do futebol parece uma usuária de crack que recém perdeu os dentes da frente – tão bonita quanto o cascão das feridas que eu ganhava jogando golzinho fechado no asfalto.

Por que o torneio se chama “Libertadores da Amércia”? Ele surgiu em 1960, e o nome é uma homenagem à independência dos países da América do Sul em relação às metrópoles da Península Ibérica, Portugal e Espanha, ali no século XIX. Os líderes desses movimentos - José Artigas, Simón Bolívar, José de San Martín, José Bonifácio de Andrada e Silva, D. Pedro I, Antonio José de Sucre e Bernardo O'Higgins – são os ilustres homenageados; os “libertadores da América”. Como diria o narrador do Fox Sports, João Guilherme, PARA TUDO! A competição é um símbolo da independência dos países sulamericanos, as colônias, e a final da competição que homenageia isso foi transferida para a Espanha, um dos colonizadores (!!!!!!?????). Tá tudo certo, se nós não damos valor à nossa própria história (até eu peguei o nome dos 'libertadores' no Wikipédia, confesso com toda a falta de vergonha que possuo na cara), por que cargas d'água o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, iria valorizar? É tradicional nosso! A aula de história na escola é aquela matéria chata repleta de datas – como as das independências das colônias na América Latina – e de nomes de pessoas pretensamente “importantes” - como dos libertadores do continente – cuja única utilidade é encher a paciência da nossa vida vazia de qualquer intelectualidade. A gente matava essas aulas para, ironicamente, jogar bola.

A valorização da História e o futebol são coisas de europeu desenvolvido. Aqui a gente toma de 7 a 1 e depois é derrotado em pleno Maracanã. No mundial de Clubes da Fifa, a última vez que um time sulamericano foi campeão foi em 2012, o Corinthians. Na Copa do Mundo, a última vez foi em 2002, com um tal de Brasil. Todo o restante dos anos, assistimos a um monólogo dos europeus nas disputas internacionais. Em bom baianês, tomamos a taca dentro e fora de campo também. Não sabemos fazer o espetáculo acontecer. Aqui não é o lugar que desde a colonização no século XVI [não quis usar a palavra 'meados' porque não sei direito o que significa desde que a ouvi na escola e me recuso a tirar onda de esclarecido falando bonito] era terra de ninguém sem lei? Pois é! A Libertadores 2018 é um belo desdobramento dessa nossa amada e idolatrada característica. Vamos recaptular os episódios desta saga épica, como diz o Fox Sports na chamada para a final em Madrid.
Este ano, o Santos foi punido pela Conmebol porque nas quartas de final da “Libertadores” por ter usado um jogador irregular contra o Independiente da Argentina, no jogo de ida das oitavas de final, realizado em Avellaneda. O confronto foi 0 a 0, mas, para castigar exemplarmente o clube brasileiro, o resultado foi transformado em um 3 a 0 para o time argentino, o que decretaria no jogo da volta a eliminação do Santos. Mas o River Plate, esse mesmo que está na final, cometeu o mesmo delito em vários jogos da competição e simplesmente não sofreu qualquer punição. A Conmebol alega que os times prejudicados teriam que ter prestado queixa à entidade em um prazo de 24 horas após as partidas. Ou seja, ao River foi dado o direito de usar jogador irregularmente, se beneficiar na disputa futebolística da presença do jogador e Domínguez arrumou uma desculpinha pra não punir o River.

Então beleza! Nas semifinais, o técnico do River, Marcelo Gallardo foi punido pelo comitê disciplinar que rege o regulamento das competições continentais, e não poderia ter qualquer contato com os jogadores na partida de volta contra o Grêmio em Porto Alegre. Pois o técnico passou a partida toda se comunicando com o assistente via rádio e ainda foi ao vestiário, na frente de todo mundo, no intervalo do jogo orientar os jogadores. O que a Conmebol fez a respeito? Em vez de eliminar o River, apenas deu uns joguinhos de suspensão e uma multinha para Gallardo de U$ 1,5 mil (algo que talvez equivalha ao troco do pão no seu salário de um mês). Agora na final, a torcida do River vandaliza e machuca os jogadores do Boca na chegada da decisão. O River deveria ser punido com a perda do título e suspensão das competições das competições continentais por um período. A Conmebol fez isso? Não! Aplicou outra multinha para o River e decretou que na próxima competição continental vai jogar em casa com portões fechados umas duas ou três partidinhas. Se, no final disso tudo o River for campeão, qual a lição que ficou? Compensou trapacear usando jogador irregular em várias partidas, compensou não obedecer à punição do técnico e ir se benficiar de sua presença proibida contra o Grêmio e valeu a pena (demais!) vandalizar o ônibus do Boca – desestabilizou os jogadores do rival e com isso abriu caminho para o título. Evoluímos o quê desde a terra sem lei da época das capitanias hereditárias até hoje? Nada! Continuamos aquele pedaço de planeta Terra onde é cada um por si e deus por ninguém.

Por isso, a final tem que ser nas Ôropa mesmo! Caímos de joelhos para os europeus dentro de campo e agora fora também. Demos o atestado de nossa incompetência total como futebolistas diante do verdadeiro (e único) gigante desse nosso amado esporte. Mas vai ter jogo domingo. E essa vai mesmo ser uma final beeeeem histórica, com 'h' e todos os conceitos envolvidos sob a mais vexatória característica de minúsculo que se possa imaginar. Eu quero assistir à final da Libertadores, mas vou ter que esperar sentado mais um ano. Essa de domingo agora é a única e (espero que) última decisão de outra competição. A Taça “Colonizadores” da América.  

Paolo Gutiérrez é (tirado a) jornalista e amante do futebol.

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