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Foto: jogador Robinho - Site JP Agora |
No último dia 19 deste mês chegou a notícia da condenação na Itália do icônico jogador de futebol que conhecemos pelo apelido carinhoso de Robinho. O motivo, é claro, não é nada carinhoso. O atleta, ao que parece, participou de um estupro coletivo. A vítima lutou na justiça e o tribunal italiano condenou o brasileiro a 9 anos de prisão. Inapelável, já que a sentença foi dada pela última instância da justiça do país europeu. Robinho está no Brasil e o país não irá deportá-lo para sofrer punição na Itália. Mas a justiça de lá se articula para exigir que ele cumpra a pena no Brasil.
Por que falo sobre isso como se fosse fato a culpa do ex- (esperança de) craque do nosso futebol? Porque não há mostras de Robinho de uma prova contundente sequer de sua inocência. Pelo contrário, foram interceptadas conversas de Robinho com outros participantes do suposto estupro, nas quais ele desdenha da vítima, dizendo que ela estava bêbada e que nem se lembrava do que tinha acontecido.
Recapitulando, o caso aconteceu em 22 de janeiro de 2013, a vítima era uma mulher albanesa que estava numa boate da cidade de Milão comemorando seu aniversário de 23 anos (sua identidade foi ocultada para preservá-la da exposição do caso). Robinho era jogador do Milan, estava com a esposa e 5 amigos no local. A esposa de Robinho teria ido embora para casa mais cedo, deixando o jogador esticar a noite um pouco mais com seus coligados. Nesse meio tempo, o jogador alega que teve contato amoroso com a garota, mas que não fez sexo com ela. Em uma das conversas interceptadas pela justiça italiana, um dos amigos fala com Robinho que o teria visto colocar seu pênis na boca da mulher, ao qual o próprio Robinho retrucou que tentou faze sexo com ela mas não conseguiu, e que o sexo oral não configuraria uma transa de fato.
Ao que parece, a garota acusa Robinho e amigos de terem estimulado e se aproveitado da embriaguez dela para humilhá-la e "satisfazer seus instintos sexuais" - como proferiu a sentença da juíza na segunda instância do processo na Itália. Em entrevista ao site UOL antes da última e definitiva sentença, divulgada há dois dias atrás, Robinho afirma que tudo foi feito com o consentimento da garota e que ela inclusive teria aceitado sair com os amigos de Robinho para outra boate após o jogador ir embora de volta para casa.
Locais públicos, aonde circularam diversas testemunhas fixas, fáceis de localizar, poderiam comprovar essa versão dos fatos. Ao invés disso, a defesa de Robinho, pelo que se lê na reportagem do UOL, parece ter se concentrado em desqualificar a vítima, usando postagens de suas redes sociais para mostrar que ela se trata de uma alcoólatra cujo depoimento não mereceria credibilidade.
Corrobora a versão da vítima uma das conversas de Robinho com seus amigos debochando da situação e confirmando que a garota estava tão bêbada e que, por isso, ela nem devia se lembrar de tudo o que aconteceu. Na mesma entrevista ao UOL que estou me referindo aqui, Robinho afirma, contraditoriamente às suas conversas interceptadas, que a garota estava lúcida e que consentiu tudo o que por ventura tenha sido feito com ela por ele e seus amigos.
Nessa mesma entrevista, não senti particularmente firmeza do próprio Robinho quando perguntado pelo repórter sobre essas conversas interceptadas pela justiça italiana. A defesa do (já praticamente ex-) atleta tentou invalidar esses diálogos como provas, alegando que os trechos usados estavam mal traduzidos ou usados fora de contexto. Quando o repórter do UOL pede que Robinho esclareça aonde há má tradução ou deturpação de contexto, o jogador titubeia, seu staff interrompe a entrevista e ele se recusa a mostrar a incongruência das traduções dos seus próprios diálogos, alegando que os eventos aconteceram há alguns anos e que ele não iria saber falar especificamente.
Ora, isso significa que seus próprios advogados não o prepararam para dar esta resposta. Mas como assim?! Se as conversas sofreram qualquer deturpação, o staff deveria repassar isso ao jogador, inclusive para mostrar para a opinião pública de forma inequívoca a injustiça que estaria sendo cometida pelos tribunais italianos ao proferir uma condenação definitiva com base em provas inconsistentes. Mais do que isso, o próprio jogador deveria ser capaz de puxar da memória os fatos e assinalar com convicção aonde as suas próprias falas foram tiradas de contexto.
Outro ponto que não está consistente na fala de Robinho é que quando o repórter o convida a dar sua versão dos fatos, Robinho se recusa a contar detalhes pormenorizados. Alega que há segredo de justiça para o processo em trâmite e que logo isso viria à tona com um desfecho favorável a ele. Posso até estar errado, mas nenhum segredo de justiça pode impedir o jogador de contar pormenores que esclareçam para a opinião pública sobre a verdade dos fatos. O único motivo de alguém não contar os pormenores, na minha avaliação, é que esses detalhes condenam a própria pessoa. E mentir sobre eles poderia fazer quem está dando o depoimento entrar em contradição. Robinho alega que teve relações "não-sexuais" e "não-abusivas" com a mulher que o acusa e que seu único pecado naquela noite foi trair a esposa.
Terá que concordar Robinho e qualquer um de seus defensores que, para quem está vendo o caso de fora - toda a opinião pública no Brasil e no mundo -, fica (muito!) difícil acreditar em sua inocência no caso. [Clique aqui e confira a matéria do UOL com a entrevista concedida por Robinho!]
Algo de errado ele fez naquela noite e esse erro é o que fez o judiciário da Itália condená-lo a 9 anos de prisão junto com um de seus amigos. E se não é assim, se o jogador está sofrendo uma grande injustiça, que seus advogados apresentem as provas de sua inocência a algum tribunal internacional. Afinal de contas, se ele é inocente, seus direitos humanos estão sendo violados. Ao invés disso, o processo passou pelas 3 instâncias da justiça italiana e agora está progredindo para um patamar internacional. A Constituição Brasileira - assim como acordos bilaterais entre os dois países - não permite uma extradição do jogador para a Itália.
A justiça de lá toma providências para exigir da justiça daqui que aplique a pena em presídio brasileiro, transferindo a sentença de lá pra cá. Além disso, juristas especializados, segundo o site BBC.com apontam que a Itália pode solicitar à Interpol a inclusão de Robinho em uma lista vermelha, o que possibilitaria sua prisão imediata se ele fizer qualquer viagem para fora do Brasil. A única chance dele permanecer fora das grades, até o que se tem no momento, é permanecer sem sair daqui do país pelo resto da vida.
Essa pode ser a última jogada de sua carreira no futebol - driblar a condenação dos tribunais italianos permanecendo confinado no Brasil. Como a vida é irônica! Após fazer sucesso no Santos dando suas famosas pedaladas no marcador do Corinthians na final do Brasileiro em 2002, Robinho acelerou sua saída do Brasil nos anos seguintes, alegando que no Brasil sua família não tinha segurança. Sua mãe, inclusive, sofreu um sequestro como consequência da fama que o jogador atingiu ao ajudar o Santos a ser novamente Campeão Brasileiro após décadas sem conquistar grandes títulos.
Queria ir para a Europa porque aqui sua família não estava segura. Quem diria que, no fim das contas, a Europa era quem corria perigo de sofrer um crime com a ida dele pra lá.
Em 2020, Robinho acertou com o Santos seu retorno ao Brasil. Mas o negócio precisou ser desfeito, porque grande parte da torcida e parceiros do clube pressionaram a diretoria a voltar atrás no negócio. Alguns patrocinadores ameaçaram deixar o apoio financeiro ao time, caso insistisse em levar Robinho a campo como jogador profissional do Santos.
Esta última "pedalada" de Robinho me traz a uma reflexão importante. Vimos no futebol brasileiro outros casos em que jogadores foram acusados - como Neymar no caso Nájila - e eventualmente condenados - como o goleiro Bruno no caso do assassinato de Eliza Samúdio - por crimes cometidos contra mulheres. Robinho surgiu para o futebol como uma esperança de se tornar o melhor jogador do mundo um dia. Concordo com o colunista do UOL, José Trajano, quando este avalia que Robinho "deixou o futebol pela porta dos fundos como jogador e como cidadão".
Em 2010 quando comandava o Atlético Goianiense, quando teve um atrito em que Neymar mostrou um comportamento mimado, o então treinador René Simões afirmou à imprensa esportiva, sobre o atleta, que nós estávamos "criando um monstro". Será que na verdade não estamos dando uma criação de "monstros" a todos os nossos jogadores em geral? E isso nos traz a um problema na educação do país a todos nossos meninos. Será que na verdade estamos criando os nossos homens para serem "monstros" em sua relação com as mulheres?
Não era momento para analisarmos sobre nós mesmos a partir de eventos como esse de Robinho - que não é o primeiro no futebol - e vermos que há um fundo muito mais amplo, não só no esporte como em toda a sociedade? Passamos os anos vendo escândalos sexuais contra as mulheres no esporte e na vida. Será que não estamos fracassando na formação do caráter de nossos jogadores, e que isso é um sintoma de uma grave falha em como orientamos os nossos homens em geral, desde a fase infantil?
Claro, isso não é exclusividade do Brasil. O machismo, o patriarcalismo, o estupro e o feminicído são fenômenos mundiais. Mas somos obrigados, diante dos fatos, a refletir na questão sobre o nosso país. Temos um Neymar começando a fase decadente de sua carreira, mais focado em curtir farras com seus "parças" do que em jogar futebol. Temos um Robinho saindo de cena definitivamente tentando driblar a justiça para não pagar por um crime que (pelo visto) cometeu.
Nossos meninos, quando crescem, é comum que tratem as mulheres como meros objetos que existem só para satisfazer a coceira da cabeça dos seus órgãos genitais. E quando nossos meninos se tornam celebridades - como são os jogadores de futebol que atingem o sucesso - se dão amiúde o direito de cometer crimes contras as mulheres e de acharem que é um absurdo que sofram punições por isso. Pior, ainda encontram muitos que os defendam com unhas e dentes nesses casos (!!!!). Temos potenciais craques desperdiçando suas carreiras em comportamentos mimados, machistas e, por vezes, mesmo criminosos. Essa é a realidade que está aí para quem quiser ver.
Na Copa de 2014 sofremos uma goleada vexatória de 7 a 1 dentro de campo. Do ponto de vista de casos como o de Robinho, ela pode ser reflexo da goleada que estamos tomando como país fora de campo. Pensemos nisso...
Paolo Gutiérrez é acadêmico, jornalista por formação e apaixonado por futebol e outros esportes.
Fontes: UOL.com, BBC.com, Site JP Agora , Gazeta Esportiva, Wikipedia e Google Search